Ingredientes:
• 3 xícaras de chá de ansiedade
• 10 litros de ironia
• 1 caçamba de amor pelo jornalismo
• 1 caçamba de amor pelos cuidados paliativos
• 3 caminhões de amor pelos meus cachorros
• 8 baldes de dor nas costas
• 2 pitadinhas de paciência
Modo de preparo:
Bata tudo no liquidificador e sirva a seguir.
COM DEFEITOS E PAIXÕES, ESTE SERIA UM SUCO CONCENTRADO DE MIM MESMA. É CLARO QUE ESTÃO FALTANDO ALGUNS INGREDIENTES E, A DEPENDER DO DIA, AS PROPORÇÕES DA RECEITA MUDAM.
Às vezes eu não gosto do sabor (pode ser mais amargo do que deveria). Às vezes a consistência não agrada meus amigos, a minha família ou colegas de trabalho. Em alguns momentos é melhor coar, pra dar uma filtrada.
Mas, em resumo, essa aí em cima sou eu mesma. E quem me ama, me ouve no Finitude Podcast ou me acompanha nas redes sociais está por perto relevando falhas, injetando incentivo e se identificando com determinadas características.
Poucas pessoas tiveram o privilégio de nunca precisar ser internada num hospital ou mesmo dar entrada num pronto-socorro por alguma intercorrência de saúde. Parece que quando passamos da porta da rua pra dentro, deixamos boa parte da nossa identidade pra trás.
Viramos “um paciente”, um número de senha, as nossas queixas e os nossos diagnósticos. Se for uma doença que nos leve a um tratamento mais longo, a uma internação, ou que nos ameace a vida, essa pasteurização de todos nós em pacientes é ainda maior.
Uma pulseirinha colorida, uma camisola com o logo da instituição de saúde, um corpo à espera de agulhas a serem espetadas. Não somos daquele jeito, mas estamos daquele jeito. E a nossa individualidade nem chega a caber na rotina de um hospital cuja filosofia é pouco humana.
“Você é importante porque você é você. E você é importante até o fim da sua vida. Faremos todo o possível não só para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para fazer você viver até o momento de morrer.”
Cicely Saunders
Este pensamento é um dos muitos relevantes de Cicely Saunders. Médica, enfermeira, assistente social, escritora, britânica; precursora da abordagem de cuidados paliativos. Ela nos ajuda a lembrar de fincar o pé em quem somos e a calibrar as nossas vontades, os nossos limites de dignidade. Às equipes de saúde, lembra que alguém de camisola num leito não é só alguém de camisola num leito.
Todo segundo sábado do mês de outubro é o Dia Mundial de Cuidados Paliativos. Sempre mais uma oportunidade para refletirmos sobre nós mesmos, sobre quem amamos e sobre as políticas públicas necessárias para garantir a nossa integridade não só física como moral, emocional, social etc.
Precisamos pensar sobre os nossos ingredientes, as quantidades que vão ao liquidificador. Você consegue dizer agora como é a receita com os itens principais pra extrair um suco concentrado de você?