A única certeza da vida
Fato: vamos todos morrer.
Mais um fato? Apenas 12% das pessoas irão morrer repentinamente, de forma inesperada. E é sobre esse restante, os 88%, que queremos conversar com você. Todos vamos vivenciar o processo de morte tendo a funcionalidade comprometida, depender de outras pessoas, ter diagnósticos de doenças graves e limitações que podem durar… semanas, meses, anos? Não sabemos.
Ou seja, esses dados nos revelam que provavelmente vamos cuidar de alguém ou precisaremos ser cuidados por alguém.
Quando adoecemos, além do que somos, nos tornamos também pacientes. Mas não somos um rim, um fígado, uma dor incapacitante. E não é justo que nos olhem resumidos a isso, a um problema, a um incômodo, a um temor. Desejamos, sim, ser curados mas, às vezes sem notar, o que mais queremos é receber cuidados. Além do foco na cura, há dores diversas e efeitos colaterais que precisam ser vistos.
E já existe bastante gente olhando pra isso. Não o suficiente, mas há. Um olhar compassivo, um olhar de mais dignidade: os cuidados paliativos.
Um desejo desconhecido
A gente te garante: assim que você entender realmente o que são os cuidados paliativos, você vai desejar tê-lo na sua vida e na vida de quem você ama. A má notícia é que no Brasil o acesso é mínimo, muito aquém do necessário – e, ainda por cima, os serviços são mal distribuídos pelo território nacional.
Os profissionais de saúde de cuidados paliativos têm como foco cuidar do sofrimento humano – tanto de quem está como paciente quanto de quem é familiar. Ajudam a enfrentar uma situação de saúde que ameaça a vida, independentemente do estágio da doença. Quanto antes o paciente tiver acesso a esse recurso, melhor.
É uma filosofia de cuidado. Aquela de quem acredita que a vida precisa ser vivida com dignidade em todos os momentos, principalmente os mais delicados ou mesmo o último suspiro. É também uma técnica específica que envolve competências para cuidar da dor, da falta de ar, das náuseas, da fadiga ou de quaisquer outros sintomas. Estudos apontam, inclusive, que pessoas que recebem esse cuidado chegam a viver mais e melhor.
Além de cuidar de sintomas físicos, os cuidados paliativos buscam olhar, na mesma medida, para sintomas emocionais, como medo, ansiedade e depressão, comuns em pacientes e familiares que atravessam situações graves de saúde. Estratégias específicas de comunicação realizada com técnica, honestidade e compaixão, têm alto impacto comprovado nesses sintomas.
Os familiares dos pacientes também são envolvidos nesse manejo, que entende a família como parte da unidade do cuidado e sabendo que cuidar da família é uma parte importante para acolher as adversidades dessa fase.
Todos por um
Tudo isso só é possível porque, por definição, os cuidados paliativos são uma abordagem multidisciplinar. Significa que, além do médico, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, entre tantos profissionais que compõem uma equipe de saúde, têm igual peso na condução da vida do paciente. Cada um com a sua expertise, mas olhando para um todo. Um ser humano por inteiro.
Os cuidados paliativos não excluem nada: tudo o que ajudar é bem-vindo. Não excluem o tratamento com foco na cura, mas prezam por administrar o conforto do paciente, sob diversas lentes. O custo-benefício de cada intervenção é dosado. E aqui não estamos falando dos custos financeiros, mas da calibragem das escolhas de exames, agulhas, tubos e afins. O foco é sempre a dignidade. Não um conceito universal de dignidade, mas do que é dignidade para aquela pessoa.
Os cuidados paliativos, então, facilitam a criação e o estreitamento de vínculos do paciente, minimizando ou zerando sintomas e dores diversas. Assim fica menos difícil de carregar o piano nas costas, não fica?
Não podemos perder de vista: O sofrimento de quem vive com uma doença incurável ou que coloca a vida em risco é contínuo: físico, emocional, social etc. Os cuidados paliativos buscam oferecer suporte para essas pessoas e seus familiares durante a trajetória da doença (tenha cura ou não), na terminalidade e também no processo de luto.
Os nossos gargalos
Fora da América do Norte, Europa e Austrália, o acesso aos cuidados paliativos de qualidade deixa muito a desejar. Apenas 30% da oferta total estão em países de baixa e média rendas, que representam 80% da população mundial.
De todas as pessoas do Planeta a quem seriam indicados os cuidados paliativos, apenas 14% são beneficiadas por esse manejo.
O cenário é desafiador. E a mudança pode estar nas nossas mãos; as mãos da sociedade. Precisamos nos voltar para a cultura do cuidado: um cuidado comunitário, entre família, amigos, vizinhos. Por cerca de 80% do tempo, o paciente fica sob cuidados de familiares ou cuidadores informais.
Aprender a cuidar e aprender a se deixar cuidar é urgente. Você vem com a gente? Sabemos o caminho, mas precisamos de você.
Juliana Dantas e Tom Almeida
✨Esse artigo faz parte da série “A revolucionária forma de cuidar.”