Uma médica ou um médico está do outro lado da mesa, abrindo um envelope com os resultados dos exames que você fez nos últimos dias. Finalmente aquelas palavras esquisitas com números que não dizem nada para leigos serão decifradas.
O semblante do profissional talvez tenha se fechado um pouco. E você pode não ter percebido, mas o seu acompanhou o movimento. Ali, dentro daquele envelope, aquelas coisas todas escritas em código, dizem, na verdade, que a sua vida toda vai mudar a partir de agora. A tensão no ambiente quase pode ser cortada com uma faca e os ponteiros do relógio ficam em suspenso.
Receber o diagnóstico de uma doença grave e/ ou incurável está, provavelmente, na lista das coisas que todos nós tememos profundamente. O nosso instinto de sobrevivência dispara e, com ele, um efeito dominó. Talvez você nunca tenha passado por isso (que bom!), mas alguém que você ama pode ser que já. Ou ao menos já viu em uma cena de filme, em uma passagem de um livro.
Os medos são vários: de morrer, de sentir dor, de como contar pra família, de deixar as pessoas que ama, de dar trabalho, de perder o emprego, de não poder mais viajar, de passar por uma cirurgia, de não poder passar por uma cirurgia, do tratamento, de precisar retirar um órgão ou um membro do corpo… E olha que esses são só alguns exemplos do que pode passar pela nossa cabeça numa hora dessas. Esses medos não vêm um por um, sozinhos, ordenadamente, não: vêm em forma de turbilhão, um jato d’água na cara e, quando a gente se levanta, ainda está tentando encontrar o rumo de casa.
A partir desse momento, começa uma jornada desafiadora para todos: paciente, familiares e profissionais de saúde. Pela frente virão dias, semanas, meses ou anos com foco no tratamento e na doença. E disso surgem grandes custos físicos, por dores e efeitos colaterais de remédios, por exemplo, e também emocionais, pois há medo, dúvidas, noites insones – efeitos que podem ser até piores do que a própria enfermidade.
Acontece que, muitas vezes, quando todos estão focados única e exclusivamente numa doença e, portanto, única e exclusivamente num órgão, o indivíduo é deixado de lado. Ninguém é só um rim, um pulmão, um coração. Os efeitos colaterais, as dores físicas, emocionais, sociais, financeiras, espirituais – e tudo o que mais doer – devem ser cuidados na mesma medida.
É DIFÍCIL PENSAR NISSO, MAS, AO NOS DEPARARMOS COM UM DIAGNÓSTICO GRAVE QUE COLOCA NOSSA VIDA EM RISCO, CAMINHAMOS PARA DOIS TIPOS DE DESFECHO: A CURA COMPLETA (COM OU SEM SEQUELAS) OU UMA CURVA COM ALTOS E BAIXOS QUE VAI NOS LEVAR À MORTE.
Enfrentar uma fase assim, carregando uma bagagem dessas, é um desafio e tanto. Mas talvez existam modos de aliviar um pouco o peso da mala, colocar rodinhas, uma alça melhor. Ninguém precisa carregar a mala sozinho, a mala não pode machucar a nossa mão e nem jogar mais peso sobre as nossas costas, não é mesmo?
Quando alguém adoece, todo o entorno, de alguma forma, também adoece. Cada um com seus temores, mudanças de rotina, adaptações familiares e o inevitável: encarar a possibilidade da finitude. Nem toda doença grave vai matar, mas pode matar. E como conseguiremos equilibrar tantos pratinhos no ar ao mesmo tempo, com tantos medos, dores e demandas?
Talvez você nunca tenha ouvido falar, mas sabia que, nesse momento, já há um processo de luto acontecendo? Estamos acostumados a entender o luto como um processo que só pode começar após a morte de alguém. Mas, na verdade, ele pode começar a existir assim que ouvimos o diagnóstico de uma doença que ameace a continuidade da nossa vida – ainda que ela possa vir a ter cura.
O luto antecipatório surge para cada uma das perdas que podemos ter nesse processo. Será que a gente vai precisar se afastar do emprego? Será que uma mãe não poderá mais amamentar? Será que vou sentir dor? Isso vai afetar o meu casamento? Vou ter dinheiro para o tratamento? Será que não vou ter mais a minha autonomia? Para cada questão dessa, um luto. Para o paciente e para a família. Isso precisa ser visto, validado, administrado. Mesmo que a cura venha – e que bom se vier! -, ninguém sai igual desse processo.
Mais do que o diagnóstico em si, o que importa é como vamos atravessá-lo. Quais são as escolhas que vão se impor e como podemos desviar das cascas de banana que podem nos levar a mais sofrimento do que o necessário? Os processos de cura e de cuidado devem caminhar juntos. E, mesmo que a cura não seja possível, o cuidado sempre deve ser.
✨Esse artigo faz parte da série “A revolucionária forma de cuidar.”
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