Das histórias que eu escuto, muitas delas trazem em comum um aspecto que considero muito relevante para uma vida com significado. O meu ofício passa por ouvir e dar suporte; sou psicóloga. Em meio a um diagnóstico de uma doença grave ou mesmo à beira da terminalidade, o arrependimento é uma dor latejante.
Essas histórias não são trazidas por um perfil único: chegam de pessoas de diferentes idades, classes sociais, gêneros, que têm o câncer como doença de base, que dizem que não são o que nasceram pra ser.
Tenho percebido que essa fala se apresenta de maneira recorrente entre as causas do sofrimento psíquico relatado por todos os que se dispuseram a adotar uma atitude reflexiva sobre a sua vida, agora atravessada pelo adoecimento.
São pessoas que viveram por muito tempo em busca de atender às expectativas de outrem, de serem aceitas e validadas por suas famílias, por seus pares, por seus colegas de trabalho e que, aos poucos, se distanciaram enormemente de si mesmas. Que arrependimento pode ser maior do que o de não se reconhecer?
“Eu queria ter me casado com o amor da minha vida, mas preferi namorar muitas ao mesmo tempo, para não me sentir preso a ninguém e ser visto pelos meus amigos como um garanhão. Hoje tudo o que queria era poder passar o tempo que me resta ao lado dela…”
“Eu queria ter podido viajar, estudar, conhecer o mundo, conhecer outras pessoas, mas o meu marido nunca aprovou e acabei por não fazer nada disso, para não contrariá-lo.”
“Eu queria ser livre, sem as obrigações da vida doméstica, correndo de um lado para o outro, para manter tudo limpo e organizado.”
“Eu queria que o meu casamento desse certo e insisti nessa relação por longos anos, tolerando violência física e psicológica, tudo em nome de manter a minha estrutura de família.”
Assim como estes pensamentos acima, muitos outros seguem na mesma toada. Não é fácil chegar a estas conclusões, nem verbalizá-las. Nossas escolhas nem sempre nos remetem aos melhores desfechos, mas ainda assim podemos nos manter engajados na expectativa de que tudo, em algum momento, dê certo.
Contudo, a questão é que, em função da necessidade de atender às pressões externas, podemos nos afastar de nossos sonhos e desejos mais genuínos – e sair colecionando arrependimentos. Diante da doença grave e da finitude como destino inexorável, esses relatos refletem a capacidade de enxergar o que, de fato, se revelaria a sua verdade: essas pessoas sentem arrependimento e se referem a sensação de tempo perdido.
A doença foi o alerta que soou fortemente em suas consciências, um alarme de ambulância, um sino de igreja tocando bem alto, que as fez despertar para um olhar mais atento para o modo como viveram até então.
TUDO O QUE ESPERAM É ENCONTRAR UM CAMINHO PARA UMA VIDA COM SENTIDO. TUDO O QUE QUEREM É UMA CHANCE PARA QUE POSSAM SER O QUE DESEJAM SER, DESFAZER ARREPENDIMENTOS.
Fato é que doenças graves ou a iminência da morte têm mesmo este poder. Mas será que precisamos disso para lembrar de que a vida é realmente finita? Será que não podemos parar agora e entender do que podemos nos arrepender de estar fazendo ou para qual lado estamos encaminhando a nossa vida?
Para não perder nem mais um minuto sem refletir a respeito: qual são os seus principais arrependimentos? Dá pra começar a contorná-los desde já? Você tem sido o que nasceu pra ser?