“Somos peregrinos… que no visível ouvem a secreta melodia do invisível!”
jOSÉ TOLENTINO DE MENDONÇA
Palavras não ditas, gritos inaudíveis, tempestades silenciosas, vendavais mudos… Ouvir o inescutável parece ser uma pré-condição para vivermos na atualidade.
Recordo-me de um paciente poeta que passou pela minha vida. Encarava os dias internados acalentando outros corações com seus poemas por meio de sua conta no Instagram. Mathorino Júnior me ensinou a ouvir aquilo que não podia ser dito… a traqueostomia não foi capaz de silenciar sua mensagem. Nem mesmo a própria morte dele apagou a potência das palavras que ficaram.
É como se o ouvisse agora mesmo recitar:
“NOS TROPEÇOS DA CAMINHADA, EM MEIO AO CAOS E A CORRERIA, PEÇO A VIDA QUE NUNCA CEGUE MEUS OLHOS DE POESIA!”
Sim, Mathorino, o que nos faz ter forças pra prosseguir é a entrega à dimensão poética da existência. Somos peregrinos que não se detêm nos caminhos empoeirados ou esburacados da estrada, mas que seguem olhando para o horizonte, ouvindo uma voz que teima em nos convocar a acreditar no próximo passo.
Sempre que vamos a algum shopping center, logo na entrada nos deparamos com as portas que são abertas pelos sensores de presença. Ficar parado, de longe, jamais acionará a porta.
Só que somos tão acostumados que encaramos aquela situação com naturalidade: seguimos naquela direção sem nos preocupar, atentos aos smartphones ou conversando com pessoas ao lado, na certeza de que nossa presença fará as portas se abrirem.
Deveríamos aplicar essa metáfora à vida. As portas fechadas nunca serão a impossibilidade de seguir, de entrar, de prosseguir. É nosso caminhar, passo após passo, que fará sempre os horizontes surgirem, como a melodia que ainda não se ouviu, como a poesia que um dia se perdeu.
E você? Sabe qual porta está esperando a ser aberta? Temos nos enganado na espera paciente da segurança de caminhos abertos? O que nos faz peregrinos e peregrinas, caminhantes e perseverantes, é a coragem de seguir em frente, mesmo quando as portas ainda estão fechadas; ouvir a melodia, a despeito do silêncio ensurdecedor; ver a poesia em meio ao caos.