O processo de elaboração do luto é muito particular. Não existe uma fórmula pronta: cada pessoa sente e expressa de uma forma. Não cabemos em caixinhas pré-definidas e algumas teorias dão conta de que o luto simplesmente não acaba, apenas se transforma. Se a ausência é permanente, o luto também viria a ser.
Em alguns casos, as pessoas enlutadas unem o luto e a luta. Esse é um dos muitos jeitos de construir um propósito a partir de uma dor profunda. Podem ser movimentos que se formam a partir de vítimas da violência policial, de vidas perdidas no trânsito ou de mulheres mortas pelo simples fato de serem mulheres, por exemplo.
Essas experiências, fragilidades e momentos dolorosos podem nos estagnar, por vezes. Em outras, deixamos transbordar o que está gritando lá dentro.
Para muitas pessoas, a dor de perder alguém amado é o ponto de partida para agir por mais acolhimento, solidariedade e por uma sociedade melhor: transformam a ausência em luta por ideais e justiça.
Ao longo da história, diversas iniciativas surgiram por parte de famílias que perderam seus entes queridos. Essas pessoas buscam a verdade, a justiça e a mudança social, a fim de evitar que outras famílias enfrentem o mesmo sofrimento. Conheça alguns deles:
MOVIMENTO MÃES E FAMILIARES DO CURIÓ

O Movimento Mães e Familiares do Curió é uma organização formada por mulheres e familiares de pessoas desaparecidas e mortas em decorrência de violência policial na comunidade do Curió, em Fortaleza, Ceará.
Curió ganhou notoriedade por ser um local marcado pela violência urbana e pelas ações da polícia. Diversos relatos de abusos de direitos humanos, execuções sumárias e desaparecimentos forçados foram registrados ao longo dos anos na comunidade.
Em resposta a esses eventos trágicos, a união se deu com o objetivo de buscar justiça para as vítimas, denunciar os abusos policiais e promover mudanças na política de segurança pública para evitar novas violações de direitos humanos.
Elas organizam protestos, manifestações e eventos para conscientizar o público sobre a situação no Curió, além de exigir medidas efetivas das autoridades para responsabilizar os culpados por essas violações. O Movimento Mães e Familiares do Curió também busca apoio de outras organizações de direitos humanos, advogados e da sociedade civil em geral, ampliando sua rede de solidariedade e fortalecendo sua luta por justiça e igualdade.
Em junho deste ano, aconteceu o primeiro julgamento contra os quatro réus do crime.
MOVIMENTO MÃES DE MAIO

O Movimento Mães de Maio é formado por mães que perderam seus filhos durante os episódios de violência ocorridos em maio de 2006, em São Paulo.
O nome também faz alusão ao movimento das Mães da Praça de Maio, na Argentina, que tiveram seus filhos mortos ou desaparecidos pelo regime ditatorial (1976 – 1983).
Aqui no Brasil, os chamados Crimes de Maio foram uma onda de violência que aconteceu após uma série de rebeliões em presídios em São Paulo. Durante os ataques, grupos criminosos organizados realizaram uma série de assassinatos, incluindo ataques contra policiais e civis. A polícia também matou uma série de pessoas ditas suspeitas. Estima-se que mais de 500 vítimas tenham sido mortas ao longo de cerca de uma semana, criando um clima de medo e terror na cidade.
A participação das forças do Estado na ampliação da quantidade de assassinatos tornou essa temporada ainda mais devastadora. Houve relatos de execuções sumárias, mortes extrajudiciais e abusos de direitos humanos perpetrados por agentes que deveriam defender a população. Como sabemos, no Brasil não há pena de morte e toda pessoa tem direito a um julgamento justo.
Em meio a essa violência sem precedentes, um grupo de mães que haviam perdido seus filhos durante os Crimes de Maio se uniu para lutar por justiça e prestação de contas. Elas fundaram o Movimento Mães de Maio que, desde então, se tornou um símbolo de resistência e busca por verdade e justiça.
Essas mulheres têm se engajado em diversas atividades para denunciar a violência do Estado, exigir investigações adequadas sobre as mortes de seus filhos e pedir mudanças nas políticas de segurança pública para evitar que outras famílias sofram a mesma dor.
Nossos sentimentos a todas mães e familiares que perderam seus amores nessas tragédias.