Estamos no chamado Setembro Amarelo, mas essa conversa precisa atravessar os 365 dias do ano.
Não somos educados, treinados ou incentivados a falar sobre suicídio. Se a morte é tabu, o suicídio é ainda mais.
Só que a realidade se impõe: uma pessoa morre por suicídio no mundo a cada 40 segundos. No Brasil, uma pessoa tira a própria vida a cada 45 minutos. Na média, são 32 mortes por essa causa a cada dia. Quase 12 mil vidas. E, ainda por cima, há problemas de subnotificação desse tipo de morte – o que nos leva a crer que os números podem ser ainda maiores. Portanto, não falar a respeito não ajuda – e, na verdade, atrapalha.
Todo ano, pintamos o mês de setembro de amarelo. Por trinta dias somos impactados por informações na mídia e nas redes sociais. Depois, é quase como se o tema fosse guardado no fundo de uma gaveta e lá ficasse esquecido pelos 11 meses seguintes.
O suicídio é um problema de saúde pública. A cada pessoa que tira a própria vida, a tendência é de que o entorno mais próximo passe a ser mais vulnerável a um eventual suicídio. Por isso é necessário agir na prevenção e também na posvenção.
Como falar sobre suicídio?
Sempre com responsabilidade. O senso comum tende a tumultuar essa conversa, então precisamos fugir dele. Refletir sobre a forma e o conteúdo do que falamos não é frescura: é dever de todos nós zelar por uma comunicação bem feita; caso contrário, também seremos todos nós afetados. Conheça essa cartilha do Instituto Vita Alere.
1. O suicídio é sempre uma questão multifatorial
Significa que não há uma única razão para que uma pessoa chegue a esse ato extremo. É errado dizer “se matou porque perdeu o emprego”, “tirou a própria vida porque estava em processo de separação” etc. Todos os dias, milhares e milhares de pessoas se separam ou são demitidas e não partem para o suicídio. Além disso, essa construção de ideias faz parecer que a morte é uma boa saída em caso de rompimentos de vínculos, por exemplo. Outro fator a ser observado é que atribuir o suicídio a um único evento ou pessoa joga uma grande responsabilidade nos ombros de quem promoveu essa quebra, não?
Cada morte por suicídio é única. Cada pessoa tem uma bagagem, cada pessoa tem seus fatores de risco, como questões de saúde mental, por exemplo.
O SUICÍDIO NÃO É CULPA DE NINGUÉM E NEM SEMPRE É POSSÍVEL NOTAR OS SINAIS.
2. Não atribuir juízo de valor
Não cabe a ninguém julgar. O suicídio não se trata de covardia ou de heroísmo, de falta de fé, de fraqueza, de loucura ou de falta de amor por quem ficou. Quando colocamos as coisas nesses termos, estamos perdendo a oportunidade de ajudar de verdade. Uma das atitudes mais importantes a serem tomadas é a de indicar serviços psicológicos ou psiquiátricos sem que sejam vistos como tabus. É um dos muitos jeitos de mostrar que se importa, sem partir para respostas prontas que só querem se livrar do problema que está ali na frente. Saúde mental é coisa séria e não deve ser alvo de piadas ou estigmatizada. Não há soluções fáceis para questões complexas.
3. Não divulgar cartas de despedida
As cartas podem ser as últimas palavras de alguém prestes a morrer. São um recorte de um momento agudo e, por vezes, confuso, que não explica, por si só, as causas daquele ato extremo. Ao receber uma notícia de um suicídio, ficamos consternados e queremos achar respostas. Mas é um engano acreditar que ali está todo o enigma desvendado. A carta é um documento íntimo, tanto de quem partiu quanto dos mais próximos que ficaram.
4. Não é saída
O suicídio é uma ação permanente para problemas temporários. Dizer que a pessoa “acabou com a dor”, “encontrou a paz” ou que foi “bem-sucedida” no ato é um grande erro.
5. Quem avisa não faz de verdade?
Infelizmente, faz. Esse é mais um pensamento do senso comum que pode atrapalhar profundamente na prevenção de um ato extremo.
Posso fazer um post sobre suicídio?
Quando acontece uma morte por suicídio, todos somos profundamente impactados. Temos uma tendência de reagir rapidamente, com emoções à flor da pele, sobretudo na velocidade das redes sociais. Isso pode vir a ser ruim. Não é incomum que, sem refletir, pessoas postem cartas de despedida, divulguem o método utilizado para a morte, atribuam o suicídio a uma causa específica – ou até mesmo postem fotos e vídeos da morte. Um conteúdo sobre suicídio não pode ser feito de cabeça quente.
O comportamento de gerar e consumir conteúdo é poderoso. Não à toa, estamos na era dos influenciadores digitais, né? Então o que postamos pode ganhar amplitude em poucos minutos. Quanto maior o alcance de uma comunicação responsável, melhor. Quanto maior o alcance de uma comunicação irresponsável, muito pior.
Posso fazer uma reportagem sobre suicídio?
Não só pode como deve. Se você é jornalista e gostaria de abordar o tema, saiba que toda hora é hora. Antigamente, nas redações, havia uma série de vetos para falar sobre o tema. É claro que o sensacionalismo tem um péssimo impacto nessa área, realmente não é por aí que devemos ir.
Por outro lado, uma reportagem equilibrada, ponderada, que ouça profissionais gabaritados, seja propositiva e indique serviços de atendimento com clareza é muito bem-vinda.
Como abordar alguém próximo que possa estar pensando em suicídio?
Taí uma tarefa que pode assustar muita gente, né? É natural ter algum temor, mas isso também é sinal de cuidado, de uma busca por querer fazer a coisa certa. Só que, muitas vezes, ao querer ajudar, acabamos atrapalhando.
Para começar, não tenha medo de perguntar ou falar a palavra suicídio. Se você viu uma postagem ou ouviu algum comentário de alguém que dê a entender que a pessoa pode vir a se machucar, se aproxime e pergunte. Demonstrar que se importa e estar ali (de verdade) é fundamental. É difícil, mas não se desespere: nessa conversa, você é um ponto de segurança de que a pessoa certamente está precisando.
Prefira mais ouvir do que falar – e, quando falar, não parta para respostas prontas ou julgamentos. Evite frases como “Deixa disso, você tem uma vida ótima, tem gente que está pior do que você.” / “Você precisa ter Deus no coração!” / “Isso é falta de um emprego, você vai ver como vai ficar bem!”.
Apesar da sua proximidade com a pessoa, somente um profissional tem condição de fazer o manejo correto daquela situação. Portanto, um dos pontos essenciais é incentivar a busca por um(a) psicólogo(a) ou psiquiatra que possa ajudar no desenrolar desse emaranhado em que a pessoa está inserida.
Prevenção e posvenção
É comum ouvir falar em “sinais” dados por pessoas que acabam morrendo por suicídio. Mas a conversa sobre a prevenção envolve fatores ainda mais complexos do que esse.
É preciso atuar em diversos âmbitos, incluindo os macro, considerando o suicídio uma questão de saúde pública. E o meio influencia muito: questões econômicas, sociais e culturais, por exemplo. Por outro lado, também há fatores individuais, como os biológicos, psicológicos, físicos e de contexto de vida.
Infelizmente, ainda há muito preconceito contra questões de saúde mental e pela procura de atendimentos psicológico e psiquiátrico. Chefias que não criam ambientes saudáveis, famílias que desincentivam a busca por ajuda tendem a ser bastante nocivas.
É preciso conversar sobre saúde mental em todos os espaços possíveis, incluindo o suicídio. A mídia tem papel importante nessa frente, bem como grupos que atuam na internet, especialmente em redes sociais.
Já quando falamos em posvenção ao suicídio, estamos falando sobre olhar para quem perdeu alguém querido por suicídio. A vida de um enlutado por suicídio muda para sempre. Desse evento em diante, essa pessoa tende a ficar mais vulnerável do que a média.
Nesse contexto, um familiar ou amigo próximo de quem morreu é considerado um sobrevivente. Essa pessoa precisa ser vista, cuidada e ter a sua dor validada. Frequentar um grupo de apoio para sobreviventes de suicídio pode ser uma das boas iniciativas.
Como lidar com quem perdeu alguém próximo por suicídio?
Todo e qualquer luto é um processo humano, natural e saudável. No entanto, podem existir alguns complicadores nesse desenvolvimento e o modo da morte tende a importar.
O luto por suicídio tem algumas peculiaridades. Mas, claro, nunca há um luto igual ao outro. Podemos falar em algumas tendências de sensações, como culpa, questionamentos sobre sinais, impotência por não ter podido ajudar a pessoa amada, desamparo etc.
A MORTE IMPÕE MUITOS SILÊNCIOS. O SUICÍDIO, AINDA MAIS.
É a hora em que a maioria do círculo social do enlutado se afasta. Seja a pessoa a se aproximar. Respeite o espaço de quem está em luto, mas permaneça visível e disponível. Não tenha medo de mencionar o nome de quem morreu – essa pessoa era e continuará sendo querida. Morre-se por câncer, por doenças do coração, por atropelamento. Morre-se por suicídio também.
Acolha, ouça, não julgue. Não parta da estereótipos do luto para lidar com quem perdeu alguém por suicídio. Cada pessoa é uma, cada morte é uma, cada vínculo é um.
“As pessoas sabem tão pouco sobre suicídio que não falam por mal. Falam por não saberem o que fazer, falam por se sentirem ameaçadas e fragilizadas. Procuram respostas simplistas para terem a falsa e desejável sensação de segurança, de que “isso nunca vai acontecer comigo ou com a minha família”. Buscam um culpado, um motivo, uma negligência por parte de quem estava mais por perto como uma forma de se protegerem do mal-estar que a situação inspira. Mas nada disso justifica o fato de tudo isso ser muito cruel com os familiares que estão vivenciando essa perda.”
Luciana Carvalho é psicóloga e escritora. Perdeu o marido, Marden, por suicídio.
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